Tudo era bem
normal lá em Santantônio da Lamparina.
As crianças
iam para a escola enquanto os pais trabalhavam. Todos riam, se divertiam e às
vezes ficavam bem tristes também. Tomavam banho, soltavam pum e tinham coceira
no pé, como toda gente em qualquer parte.
Só tinha um
detalhe, mínimo, insignificante, que deixava tudo com cara de esquisito e
diferente: lá, o dia era escuro como a noite, e quando era noite era noite
também.
Os moradores
estavam acostumados. Viviam à sombra da Lua, estudavam à luz de abajur, sabiam
brincadeiras de escuro: gato-mia, cabra-cega, detetive...
Os mais velhos
diziam que lá sempre foi assim e que, se é assim, assim será até o fim.
Sentiam-se cansados de imaginar como seria viver num lugar claro e diferente.
Os mais jovens sonhavam e diziam que conhecer o Sol era o maior desejo que
tinham no mundo, no universo. Um desejo infinito.
Por que
ninguém pensava em se mudar dali? Porque lá havia o mais lindo luar e o mais
delicioso banho de mar e um povo com um sonho em comum. Às vezes, coisas assim
são suficientes para nos fazer ficar.
Num dia noite,
chegou um, chegaram dois e mais três ou cinco equilibristas. Era uma família de
artistas! Enquanto uns tocavam, os outros faziam lances incríveis, coisa de
especialista!
Há muito tempo
o vilarejo não recebia visita tão animada. Os equilibristas estavam acostumados
a se apresentar até o Sol raiar e estranharam: já se sentiam cansados e nada de
o dia clarear.
O Sol não vai
aparecer?
E foi assim
que souberam que em Santantônio da Lamparina o dia era tão escuro como a noite
e que já estavam acordados fazia dois dias e meio.
Daí o nome da
cidade?
Daí o nome.
Mas por que é
assim?
Diz meu avô
que o avô dele dizia que o seu tataravô ensinou que é assim porque sempre foi
assim e assim será até o fim!
Os artistas
acharam aquela explicação meio fraquinha, de quem já cansou de procurar
solução. Avisaram que por cinco dias escuros e quatro noites noites treinariam
um novo número exclusivo e então voltariam para o espetáculo de despedida!
Voltaram.
Voltaram com o
número mais arriscado e sensacional de equilíbrio, coragem e precisão já visto
em toda a história da humanidade!
Precisaram de
muita concentração. Foram subindo, um sobre o outro e sobre o outro e sobre o
outro e sobre outro ainda... Até que o menino equilibrista mais levinho e muito
craque, com o braço bem esticado, atingiu o céu.
Com a ponta do
dedo fez um picote. Um pequeno rasgo no céu, por onde passou um facho de luz.
Era mínimo,
mas suficiente para iluminar de alegria e expectativa cada
santantonio-lamparinense. Podiam saber como era o Sol, a luz e o calor que
vinham do céu.
Devagar o
rasgo foi aumentando, sozinho, como furo de meia velha, que vai crescendo até
virar um rombo...
E um dia,
Santantônio da Lamparina amanheceu toda e completamente iluminada! Os
moradores, que nem tinham venezianas e cortinas, acordaram sobressaltados com
tanta luz.
Até hoje, não
se cansam de ver o Sol nascer e depois o Sol se pôr e de novo o Sol nascer e
mais uma vez o Sol se pôr. Acham graça, agradecidos.
Conto de Silvinha Meirelles Por:
NOVA ESCOLA
Nenhum comentário:
Postar um comentário